Exposição a agrotóxicos pode causar alterações no DNA, mostra pesquisa
Trabalho analisou 108 produtores rurais de Caxias do Sul (RS)
Os resultados de uma pesquisa apresentada na Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves (RS), pela bióloga geneticista Juliana da Silva, professora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) reforçam um aviso sempre necessário: os agricultores devem utilizar equipamentos de proteção (EPIs) para lidar com os agrotóxicos.
A pesquisa, realizada pela Ulbra, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de Caxias do Sul (UCS), analisou, de 2001 a 2003, as células de 108 viticultores da cidade de Caxias do Sul (RS), todos homens, expostos a agrotóxicos há cerca de 30 anos. Foram detectadas lesões no DNA de todos os produtores, sendo que eles apresentaram aproximadamente seis vezes mais lesões no DNA do que um grupo de pessoas não expostas aos agrotóxicos. A geneticista explica para os leigos:
– Alteração no DNA significa que a célula avaliada possui quebras. Muitas vezes as células não conseguem consertar essas quebras e acabam morrendo. Se ela morrer, o organismo tem que produzir mais células, e, nesse sistema de morre e produz, a célula pode ter algum problema e começar a se dividir sem parar. É aí que pode surgir um tumor.
Os danos das células, segundo Juliana, podem se acumular no sistema de uma pessoa, causando, no caso dos expostos aos pesticidas, não somente câncer, mas outras doenças, como Alzheimer.
– Alegaram ter incidência de câncer na família 40% dos entrevistados. Ainda foram observados problemas reprodutivos em aproximadamente 18% deles – afirma Juliana.
Quanto ao uso de equipamentos de proteção, a maioria dos entrevistados da pesquisa disse utilizar. Mas, segundo ela, quando a equipe visitava as propriedades não via isso na prática.
– Mas comprovamos que quem não usava máscara tinha dano maior do que os que usavam tudo, menos a máscara – diz ela, reforçando a importância do uso das proteções.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul diz incentivar o uso dos equipamentos, em prol da saúde de seus associados, segundo o vice-presidente da entidade, Rudimar José Menegotto.
– Há dez, 15 anos, esses EPIs não eram nem vendidos. Hoje existe a orientação e os produtos podem ser adquiridos a um custo razoável. A gente incentiva, mas não podemos obrigar. Cada um faz o que quer – ressalta Menegotto.
Para aplicar agrotóxicos é necessário utilizar: calça de tecido hidrorrepelente, viseira para proteção facial, jaleco de manga comprida, boné tipo touca árabe, avental de bagum e luva de nitrila. Um kit com todas essas peças custa cerca de R$ 55. Botas plásticas podem ser compradas a cerca de R$ 28 e a máscara de dois filtros para eliminar o cheiro dos produtos, por R$ 120. Os EPIs são vendidos em lojas agrícolas.
Um dos participantes da pesquisa foi um agricultor caxiense, hoje com 52 anos (ele preferiu não se identificar). Era ainda criança quando teve uma intoxicação por agrotóxico que o fez vomitar espuma por 25 horas. Aos 16 anos de idade, o jovem produtor aprendeu que o cuidado com o trato dos pesticidas deveria ser levado a sério durante toda sua vida, se não quisesse colocá-la em risco.
O agricultor lembra de ter aplicado o veneno na plantação de repolho em uma manhã de sol, na propriedade da família. O agrotóxico era tão forte que, segundo ele, seu cheiro era sentido a um quilômetro de distância. Ele não usou nenhum equipamento de proteção, afinal, tratava-se de uma época em que se manuseava os pesticidas despreocupadamente, usando bermuda e chinelo de dedo. Horas mais tarde, ele começou a ter ânsia de vômito. Foi levado ao hospital, onde permaneceu oito dias, com uma intoxicação diagnosticada.
– Até hoje eu trabalho com isso e uso tudo o que precisa. Hoje a gente se cuida – diz.
O agricultor afirma que hoje está bem de saúde, sem resquício algum do veneno. Seu pai, entretanto, que passou a vida toda lidando com pesticidas – grande parte dela sem proteção adequada – faleceu de tumor na próstata anos atrás.
A necessidade de aplicação dos agrotóxicos está muito relacionada ao clima, segundo o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Samar Velho da Silveira. As doenças das plantas se desenvolvem em ambientes de elevada umidade. O que um projeto da Embrapa defende é que se a chuva dá uma trégua durante uma semana, por exemplo, nesse período o produtor não precisa aplicar o agrotóxico.
– Há uma repetição excessiva no uso de agrotóxico. Às vezes, para garantir a produção, se aplica mais do que o necessário. Há possibilidade de reduzir, desde que se faça monitoramento das pragas que atacam o vinhedo – salienta Silveira.